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Toca do Coelho

Um espaço para o meu apetite omnívoro.

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26.Set.21

Brinquedos de Menino ou de Menina?

Acabei de ver um vídeo divertidíssimo sobre crianças a quem se propõe que brinquem com brinquedos do sexo oposto. São três meninos e duas meninas. Arabelle e Sophia ficam curiosas com os brinquedos "masculinos" e, cheias de entusiasmo, não tardam a dar-lhes uma oportunidade. Aparentam divertir-se tanto como se usassem brinquedos "de rapariga".

No entanto, quando chega a vez dos rapazes, Kingston, Lyric e Jacob, o caso muda de figura. Não só se recusam a interagir com os brinquedos "femininos", como parecem profundamente desiludidos, quase chateados até. A primeira coisa que Kingston diz ao entrar na sala é: "não brinco com estas coisas".

Quando perguntam a Lyric se gosta de algum daqueles brinquedos, ele abana a cabeça como se lhe tivessem pregado uma partida de mau gosto. Foi até buscar um banco branco só para não se sentar na cadeira cor-de-rosa. Jacob é quem fica mais aborrecido e, de braços cruzados, afirma decidido que não utilizará aqueles brinquedos. 

Kingston lá cede e, depois de deitar a casa de bonecas abaixo, comenta: "não gosto destes brinquedos, porque a minha mãe gosta de que eu brinque com coisas de rapazes, não com coisas de raparigas". Ainda assim, é o único que adere à experiência. 

Há uma terceira sala para a qual todos vão e é curioso observar as tendências que se repetem. Numa fase inicial, as raparigas focam-se nos brinquedos "femininos" e os rapazes nos "masculinos". Porém, as meninas acabam por se interessar nas coisas dos rapazes sem que o contrário aconteça. Há um momento em que Jacob interage com as raparigas, ocupadas com a casa de bonecas, mas serve-se de uma figura de acção. 

 


Porquê? Que tipo de mentalidade estão estas crianças a reflectir? Porque ficaram os rapazes tão reticentes ou até mesmo aborrecidos? Porque foi tão mais fácil para as raparigas? Creio que a separação rígida entre o que é masculino e feminino já está em processo de dissolução visível, mas ainda existe. Continuemos, então, a incentivar o seu amolecimento. 

Contudo, para o fazer, temos de insistir na fragilidade de algumas ideias. Acho que, neste aspecto, os rapazes estão um pouco mais limitados: um menino não pode gostar de cor-de-rosa, mas não faz mal uma menina gostar de azul; uma menina pode gostar do Mickey e da Minnie, mas não convém um menino ter apreço pela segunda personagem; é mais problemático um menino brincar com uma Barbie do que uma menina dar pontapés numa bola de futebol, etc. 

Entenda-se que não sugiro que não há  dificuldades para o sexo feminino, bem pelo contrário. Uma vez testemunhei duas raparigas a serem repreendidas pelas avós por terem trepado a uma árvore. A razão da admoestação não era o perigo de se magoarem, mas sim estarem a fazer uma coisa "de moço". As pobres netas caminhavam cabisbaixas como se estivessem a ser acusadas de um crime. Foi horrível assistir àquilo. 

Uma das maiores provas desta separação de interesses é que o futebol feminino recebe muitíssimo menos mediatismo que o masculino. Uma parte representativa dos brinquedos das meninas envolve fornos e utensílios de cozinha, o que perpetua a ideia machista de que as mulheres estão bem se se entretiverem a cozinhar. 

No entanto, sinto que a masculinidade está a ter mais dificuldade em transformar-se, o que julgo ser um produto do patriarcado. Ao longo da história, as mulheres sempre quiseram fazer o mesmo que os homens de modo a obter a igualdade de género. Porém, os homens sempre evitaram fazer o mesmo que as mulheres, pois achavam que eram actividades desqualificadas, daí obrigarem as mulheres a executá-las. 

Com isto em mente, será que de uma forma inconsciente, como se fosse uma memória genética infiltrada, aqueles meninos do vídeo não aderem à experiência, porque é "desqualificado" gostar de cor-de-rosa e de bonecas? Em contrapartida, será que as meninas aceitam os carros e as figuras de acção, pois só é justo que possam divertir-se da mesma maneira que os rapazes? 

Neste contexto, o sexo masculino não está mais limitado por o feminino ser privilegiado, mas sim porque o patriarcado está a envenenar-se com a sua própria arrogância. Eu nasci no fim dos anos noventa e na minha infância, embora se consentisse que as raparigas jogassem à bola, nas séries de televisão, um rapaz era gozado pelos seus pares se levasse uma sova de uma moça. Dava-se mais importância ao sexo da agressora do que à agressão em si, visto que era uma vergonha levar uma coça do sexo "fraco". 

Não basta dizer às garotas que são tão capazes como os rapazes. É preciso operar também no inconsciente e dizer aos garotos que continuam a ser homens a sério se gostarem de unicórnios e de fadas. 

Os miúdos do vídeo certamente não pensam em conceitos como o machismo e a necessidade do feminismo, posto que são crianças. Tudo o que os move é a espontaneidade mais sincera: se querem um brinquedo, desfrutam dele e, se não o querem, põem-no de parte. Ponto final. 

Todavia, acho necessário ressaltar a presença de uma memória social que os adultos à sua volta lhes transmitem. Como é que é suposto eles não considerarem o mundo feminino desqualificado se o associam a uma deterioração de si mesmos? Como não hão-de lhe ganhar uma aversão se os fazem sentir menos que os outros rapazes? 

A igualdade de género conquista-se ao fazer toda a gente, dos dois sexos, perceber que a sua qualidade não se determina por nenhum factor externo. Hoje muitas pessoas reconhecem isto quando pensam em contextos de força maior como a empregabilidade ou a liberdade sexual, mas que são incoerentes quando pensam em pormenores mais pequenos. Estes são difíceis de mudar, pois não se lhes atribui muita relevância. No entanto, também têm um papel crucial na nossa formação. 

Todos nós temos trabalho a fazer neste sentido. Os pequenos detalhes vão-se encontrando e melhorando devagar. Vamos passo a passo. E se começarmos pelo cor-de-rosa? Que sentido é que faz implicar com uma cor?

 


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