Bem Sentado
Estou sentado à janela no preciso momento
Em que monto estes versos,
Mimado pelo sol,
Que, embrulhada na luz,
Me oferece alegria de viver ao corpo.
É no Vale dos Sonhos que vivo as maiores aventuras
De tipos tão variados e numerosos quanto as partículas de luz
Que relevam a genuinidade destas palavras.
Eu gosto daquele lugar
Estou seguro mesmo quando estou em perigo
E é tão bom saber que,
Afinal,
Não preciso de pagar pelas melhores viagens.
Mas hoje é diferente
O Verão também está de férias
E não sufoca ninguém,
Permitindo-me não ter de escolher
Entre respirar e escrever
Hoje é dia de descanso
Para a Natureza, para os que me rodeiam e para mim.
Tenho de aproveitar:
Estou sentado.
Estou sentado no descanso
Não há,
Aliás,
Outra forma de estar sentado.
Ou se senta ou se está no assento com bichos carpinteiros
Seja no rabo, na cabeça ou nas mãos,
As quais laboram em conjunto.
Hoje não trabalho: escrevo
Não é a mesma coisa
Escrever é para quando estou sentado
Trabalhar é para quando escrevo com bichos carpinteiros.
Em que hei-de pensar?
Não: como hei-de fluir?
Não há nada para fazer
A não ser mover a caneta
E contemplar o encanto da simplicidade do Agora.
Por uma vez, o mundo prende-me como é
Por uma vez,
Como um grão diferente em toda a praia,
O mundo é belo como é
E não apenas quando eu não sou como sou
Fora dele.
A presença constante da vida:
Pessoas que passam a falar,
A criança que sempre chora e ri
A gaivota que anuncia a sua existência
Ao contrário de mim.
As pessoas que convivem fora deste isolamento à janela,
Deste presente que traduzo para aqui.
Por uma vez, o mundo apraz-me no presente
Mas, a bem da verdade,
Eu continuo a não ser uma peça desta maquinaria incansável.
Posso estar aqui, na fisicalidade, a assimilar as ocorrências
Mas não deixo de estar num casulo só meu
Enquanto o mundo passa por mim ao seu próprio ritmo
E eu me demoro aqui ao meu
Partilhamos o mesmo espaço-tempo,
Mas não a mesma vivência
Talvez nem sequer a mesma realidade.
Eu não sou parte da maquinaria
Pertenço à Natureza,
Pois quis o Universo que fosse a minha natureza estar
No outro lado do equilíbrio:
No dos mais alheios.
E não podia sentir-me mais grato
Por me conceder a oportunidade de parar
E de consertar o meu equilíbrio
Focado no ambiente certo,
Ao ritmo certo
E com o propósito da caneta certo.
Obrigado, Universo,
Por esta folga fora de mim
Por me deixares molhar só os dedos dos pés
E ter o melhor dos dois mundos.